domingo, 6 de junho de 2010

UM DIA DE DOMINGO

Ah, o domingo! Este dia solene que é útil para o ocioso em serviço. Esta marcação no calendário gregoriano tão bem batizada pelos ingleses como SUNDAY! Ó dia de sublime solar, onde o soberano astro da galáxia ilumina corpos e mentes banhando de claridade e sabedoria a existência cotidiana.
Movido por esse espírito de exortação e plenitude, este O Cobrador decidiu começar o dia comprando uma baguete com manteiga e o jornal A Tarde. Já se iam 13 anos desde que comprara pela última vez um exemplar do ex-mais lido do Norte e Nordeste. Lembro que foi justamente na época em que precisava migrar para um novo cafofo e usei os Populares para encontrar o meu 4 suítes no Horto Florestal, adquirido em parte com o financiamento da Caixa, em parte com o acúmulo de anos de jabá honestamente acharcado.
Inicialmente, como um bom gourmand que sabe extrair do couvert o prenúncio de uma lauta refeição, dediquei-me a deslizar a vista por manchetes, títulos, subtítulos e chamadas, legendas, olhos e eleutrias outras da edição. A ideia era entender o que mobiliza a atenção da grande imprensa como repercutora dos anseios por informação da classe média.

Já sabemos o que norteia a busca por informação deste O Paredão, que é o princípio holístico do jornalismo sistematizado com o 5S: sexo, sangue, sofrimento, Sigmund Freud e saldo bancário positivo custe o que custar.
Pois na rápida visão dá para perceber que os editores da grande imprensa se interessam muito é pelo que viram como destaque no twitter - esse pauteiro gratuito dos ignorantes, que não
cobra por plantão e sugere temas ecléticos e diversificados, como o que Caetano Veloso
respondeu para a sobrinha Preta Gil e o que Deborah Secco vai fazer com o oitavo apartamento que comprou em conjunto com o seu grande e eterno amor da semana passada.

Pois a edição dominical do A Tarde é um amálgama de cultura, informação e pedagogia modernos. A questão da adaptação orgânica ao movimento terrestre de rotação e do chamado relógio biológico é constantemente relativizada pela publicação. Você vai ver abaixo que uma simples notinha de serviço pode virar um verdadeiro libelo contra a imposição de convenções tolas para a contemporaneidade, como horários marcados:

Não percebeu o contundente discurso contra os moralismos tolos? Basta dizer que eu acordei cedo naquele sábado, pouco depois das 10h30, portanto, chegaria a tempo de participar das atividades. Do mesmo jeito que o síndico do meu cafofo de luxo, um aposentado que levanta da cama às 4h30 para fazer a adoração ao deus Rá, também participaria, já que o importante é quem acordou cedo (seja qual for o critério pessoal para isso).
Indo mais adiante, encontrei um grande esforço de reportagem do gênero investigativa-fenomenológica-pirotécnica sobre fabricação de fogos de artifício no São João. Como o tema é criativo e inovador, justifica o tamanho da matéria com uma página de grandes descobertas. A manchete bombástica dá a entender que nem a mulher do prefeito fica alheia ao mercado lucrativo de traques de massa, espadas, chuvinhas e adrianinos:

Centímetros abaixo, uma cifra chama a atenção no famigerado lead: 20 mil pessoas fazem parte desta fabricação.

Então, pela consolidada regra de três simples (aquele processo do X está para tanto, assim como tanto está para tanto), chegamos à conclusão de que a cidade de Cruz das Almas tem 28,5 mil habitantes. Ou seja, Cruz das Almas inteira, com campus da Ufba e tudo, cabe no Engenho Velho de Brotas, ou até mesmo no condomínio Le Parc da Paralela. Se consultassem o grande compêndio estatístico que é a wikipedia (e não mais o IBGE), saberiam que o município não tem menos do que 60 mil habitantes.

Continuando no mesmo princípio da dúvida aritmética, encontramos na capa de esportes outro desafio a Pitágoras. O mundo todo sabe que a Jabulani vai correr na África do Sul no dia 11 de junho. Pelo menos esse é o marketing feito sobre a abertura da Copa. Então, por qual tabuada seria plausível colocar no dia 6 de junho que "faltam 4 dias para o início da Copa"?

Um rápido vislumbre na coluna social e a identificação de uma foto vinda do além (basta continuar seguindo a temível seta vermelha):

O mais anônimo dos paparazzi quer a identidade preservada a todo custo, mesmo que custe o emprego do revisor, ou do editor desatento.

Mas aí, como se a constatação súbita de que aquele guisado de galinha caipira não foi bem recebido pela superfície ciliada do intestino delgado (a saber, você vai cagar mole o dia inteiro), você percebe a construção indigesta, em negrito e em destaque, no meio do texto:

Parece leviano apontar que o superintendente de trânsito é temido a ponto de ordenar uma chacina, mas não há dúvidas. o texto foi lido e relido por mais de uma pessoa com nível universitário, portanto é bom começarem a pedir antecedentes criminais antes de nomear o segundo escalão da prefeitura.

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